A luta das mulheres pelo direito de jogar

Muita gente nos pergunta “por que dibradoras”? E é interessante como todos os dias temos uma nova “versão” para apresentar nesta resposta. Um novo exemplo de por que todas nós, mulheres que gostamos de esporte, precisamos, antes de tudo, ser ~dibradoras profissionais.

Toda mulher que quer gostar de esporte, praticar esporte, torcer, ou simplesmente estar no esporte de alguma maneira, precisa ~dibrar muitos obstáculos para isso. Obstáculos esses que têm muito a ver com o machismo que nos ensinou desde sempre que “esporte é coisa de homem”.

Pois bem, ontem nos deparamos com mais um exemplo, outro bem recorrente, de ~dibradoras como nós que estão precisando lutar para fazer valer seu direito de jogar. São meninas de várias idades (16 a 27 anos) que se reuniram desde agosto do ano passado para começar a praticar um esporte que amavam assistir, mas nunca tinham tido a oportunidade de jogar – o vôlei.

Conseguiram para isso um espaço bastante democrático, que está sempre de portas abertas para quem quiser praticar esportes independente do nível de atuação – o Sesc. A história seria linda, não fosse um grupo de meninos que, desde o início deste ano, tem insistido em ocupar a quadra no horário que é delas.

Letícia Felix, de 24 anos, está passando por essa experiência. Ela nunca havia jogado vôlei na vida, mas sempre gostou de assistir aos jogos e, um dia decidiu que estava na hora de partir para a prática. Conversou com a namorada, que já havia jogado na infância, foi achando outras meninas interessadas em aprender e encontrou no Sesc Pinheiros, em São Paulo, a solução perfeita para o que precisavam: um espaço aberto para recreação, que não intimidaria ninguém que não sabia jogar, e permitiria a elas se divertirem juntas, aprendendo.

O horário reservado no Sesc Pinheiros para o vôlei feminino é aos domingos das 14h30 até 16h30. É importante reforçar que qualquer mulher acima de 16 anos com documento ou carteirinha do Sesc pode chegar lá esse horário e jogar. Para os homens, há a opção do vôlei misto, que é de 12h30 até 14h30 também aos domingos e outras opções durante a semana.

No entanto, nos últimos finais de semana, Letícia relata que o horário que era para ser apenas do vôlei feminino acabou tendo que ser compartilhado com homens que jogavam no horário anterior e permaneciam em quadra.

“Antes, a gente jogava no sétimo andar e era o ginásio inteiro pra gente. Como o sétimo andar está ocupado pelas atividades do Sesc Verão, desde o começo do ano eles estão colocando a gente pra dividir a quadra com os meninos do misto. E aí tem as meninas mais avançadas que também jogam no misto, que gostam de jogar com eles, e aí a outra parte da quadra para o feminino. Eles jogam de 12h30 até 14h30. Teoricamente. Só que quando a gente chega, eles não querem sair da quadra”, contou Letícia.

“Quando a gente chega, o horário é totalmente nosso, e as duas quadras são nossas. Mas eles não saem de lá. E como a gente está com poucas meninas, a gente não podia reivindicar dois espaços porque a gente precisava de mais meninas, segundo o Sesc, pra completar as duas quadras. Depois que aconteceu uma vez, o professor que fica lá colocou a gente pra jogar no misto, e aí ficou duas quadras com vôlei misto. Aí os meninos ficaram bravos porque a gente era iniciante e começaram a descer a mão. Eles riam, debochavam, falavam que a gente não sabia jogar. Só que recreação é justamente para quem não sabe jogar, é para quem é iniciante, gosta do esporte e quer começar. Mas eles não entendem isso. Aí, na semana seguinte, falamos: não vamos deixar isso acontecer de novo. Aí foi a mesma briga, eles não queriam sair, porque não tinha menina, e aí a gente subiu na coordenação e conversou com a Carol (Salvini), coordenadora da programação de recreação. Ela falou que não tinha isso, independente de quantas meninas tinham, o horário era nosso e que ela iria instruir os professores para deixar o espaço só para nós”, reforçou.

“Só que nessa última semana foi a mesma coisa, e pior, com uma briga de quase agressão. Eles têm o horário deles, das 12h30 até 14h30. O misto tem no sábado, em dia de semana e tal, o vôlei feminino só tem no domingo. Só um horário. Antes, como não tinha dado briga, e a gente não sabia como era a questão do horário, a gente deixava eles jogarem lá, porque nunca tinha tido problema, quando não tinham misturado. Eles ficavam jogando no misto, e a gente no feminino. O problema foi quando misturaram”.

“O Sesc é um lugar ótimo para jogar, é o único lugar que incentiva qualquer pessoa a fazer um esporte independente do nível dela, então é muito legal e somos muito gratas ao Sesc por ter esse espaço. Nosso problema é com os meninos.”

Conversamos com Carol Salvini, a responsável pela programação de recreação do Sesc Pinheiros, e ela confirmou ter tomado conhecimento do problema e disse que o Sesc está analisando como resolvê-lo da melhor forma possível. Segundo ela, a ideia de ter um horário para o vôlei feminino era justamente “dar oportunidade para a prática das mulheres no vôlei”.

“Estamos conversando com o pessoal aqui para fazer a forma mais justa para todo mundo”, reiterou.

Para garantir o espaço na quadra, Letícia e as amigas passaram a convocar novas interessadas em jogar pelas redes sociais. Reforçamos aqui o convite: mulheres que têm vontade de começar um esporte, aqui está uma chance imperdível – vôlei feminino aberto para todas aos domingos às 14h30 no Sesc Pinheiros.

Quem tiver vontade de ir, é só entrar em contato com as meninas aqui 🙂

Direito de jogar

Primeiro, é preciso entender algumas diferenças envolvidas aqui que podem explicar a importância de se ter um espaço reservado e garantido para a prática esportiva das mulheres.

Se você é homem e quer jogar futebol, por exemplo, deve ter uns 175398752 amigos que jogam e mais 348691583 quadras disponíveis para você jogar, sejam elas públicas ou privadas. Se você é homem e joga vôlei, a quantidade de amigos que jogam deve ser um pouco menor, e a quantidade de quadras também, mas é possível solucionar essa equação com algum esforço.

Mas se você é mulher, todas essas variantes são muito desfavoráveis, indepentende da modalidade. A começar porque as mulheres são privadas do esporte desde muito cedo e isso muitas vezes faz com que elas nunca estabeleçam qualquer relação com ele – segundo pesquisa do IBGE de 2015, 83% das mulheres acima de 15 anos não pratica nenhum esporte.

Aí fica bem difícil encontrar amigas que joguem qualquer esporte parecido com o seu ou que queiram se aventurar na prática de uma atividade nova; mas se você tem meninas em número suficiente para jogar, o desafio será encontrar um espaço seguro e acessível para vocês jogarem; e se você conseguiu os dois, às vezes terá que “disputar” esse espaço com quem ainda não entendeu a importância dele.

A quadra reservada para as mulheres jogarem um vôlei recreativo no Sesc é um convite acolhedor a elas. São muitas que nunca pensaram em praticar esse esporte e que passam a cogitar essa possibilidade porque sabem que não serão discriminadas por uma possível “falta de habilidade”; que gostam da ideia de poderem fazer amigas ali e se sentem bem por estarem fazendo uma atividade física; que deixam a vergonha e a timidez de lado porque sabem que ali serão acolhidas – e que estarão seguras.

Diante de uma realidade tão dura de violência contra a mulher na rua, encontrar um ambiente que oferece uma prática esportiva segura e só com mulheres pode ser a combinação perfeita para tirá-las do sedentarismo e fazê-las descobrir os benefícios que o esporte pode trazer.

Esse é só mais um capítulo da nossa luta pelo direito de jogar. E seguiremos ~dibrando quem tentar nos impedir.

Acesse e leia nossos “Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol” 20142015 e 2016, com os casos de preconceito e discriminação no esporte brasileiro aqui

Fonte: Dibradoras

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