O que o Mundial da Rússia apresentou fora das quatro linhas
Pelo serviço de monitoramento de palavras chaves ligadas ao preconceito e discriminação no esporte, realizado pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol, um dos tuites que nos chamou a atenção dizia: “Ainda bem que acabou a Copa do Mundo, agora essas pessoas vão largar o futebol de mão e vamos poder continuar com o racismo, a homofobia e o machismo”. Nada foi respondido a essa pessoa, mas percebemos que muitos torcedores ainda não entenderam nada sobre as mudanças que estão ocorrendo no mundo a volta.
Ouso dizer que a Copa do Mundo de 2018, na Rússia, foi a que mais se discutiu assuntos extracampos de forma tão significativa, tanto que muito dos fatos que mais chamaram a atenção do mundo não estavam restritos as quatros linhas. Mesmo em um momento em que o mundo observa um aumento da intolerância e do crescimento de partidos de extrema direita muito se discutiu o racismo, o machismo, o sexismo, a misoginia, a xenofobia e a LGBTfobia.
E com imensa satisfação que é possível afirmar que futebol não é só um jogo.
O maior medo antes da Copa começar era com os casos de racismo, muito frequentes na Rússia, mas eles não aconteceram na quantidade e da maneira que diversas organizações de combate a discriminação temiam. Medo este que fez o lateral da Inglaterra Danny Rose proibir sua família de viajar para a Rússia inicialmente.
A Copa foi marcada por inúmeros casos de assédio dentro e fora dos estádios. Ao todo, a FARE (Futebol Contra o Racismo na Europa) identificou 15 incidentes com jornalistas e 30 com torcedoras, e pessoas ligadas a entidade alertaram que o número de incidentes pode ser dez vezes maior.
A Copa também foi de manifestações positivas como a do capitão do Irã, Masoud Sojaei, que fez campanha para a liberação de mulheres nos estádios iranianos. Iranianas que na Rússia puderam acompanhar os jogos nos estádios fato que chamou a atenção do mundo no jogo contra a Espanha. E as mulheres iranianas não estiveram só na arquibancada. Mona Hoobehfekraniana foi a primeira fotógrafa de seu país a trabalhar no Mundial.
E para mostrar que futebol e política estão muito interligados tivemos incidentes por motivos políticos dentro e fora dos estádios. Em um caso, os sérvios foram punidos em 20 mil francos por conta de símbolos fascistas. Em outro os jogadores suíços – Granit Xhaka, Xherdan Shaqiri e Stephan Lichtsteiner – foram punidos pelo gesto de simular o símbolo da bandeira da Albânia, uma águia negra de duas cabeças. E a política fez com que a Nike a menos de um mês do início da Copa suspendesse o fornecimento de chuteira aos jogadores da seleção Iraniana.
Outra discussão que chamou muito a atenção durante os jogos foi o inusitado fato de entre as 32 seleções somente em uma com técnico negro e era justamente Aliou Cissé, treinador de Senegal, que tinha a menor renumeração entre os 32 treinadores presentes ao Mundial.
O torneio foi marcado pela presença massiva de jogadores com ascendência africana nas seleções europeias e principalmente na seleção campeã do Mundo: a França. A origem multiétnica da seleção francesa chamou a atenção do mundo, assim como em 1998. E provocou diversos debates, nas redes sociais e na opinião pública, sobre o caráter francês da seleção campeã. Diversos atletas são filhos de imigrantes e têm orgulho de onde vêm ou vieram, mas fazem questão de ressaltar que são franceses, diferentes do que pensa e diz a extrema direita francesa que insiste em chamá-los de imigrantes.
A Copa nos fez conhecer diferentes culturas e nos aproximou de forma solidária a Son Heung-Min, jogador da Coreia do Sul, que após a derrota e para o México, que eliminou sua seleção do mundial, chorou copiosamente com medo de sua carreira chegar ao fim. Sem conseguir comprovar um grande feito esportivo pela seleção nacional, ele terá que cumprir 21 meses de serviço militar, o que praticamente vai afastar dos gramados o atleta do Tottenham, da Inglaterra.
Acesse e leia nossos “Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol” 2014, 2015 e 2016, com os casos de preconceito e discriminação no esporte brasileiro aqui.
Fonte: Yahoo Esportes