Grafite, Fumaça, Somália, Robinho… como o racismo recreativo se propaga no esporte

Apagão, cria das categorias de base do Santa Cruz e que atualmente defende o Centro Limoeirense — Foto: Reprodução
A cada ano, principalmente nos meses de maio e novembro – que marcam a abolição da escravatura legal e o mês da consciência negra -, a pauta racismo ganha força nos noticiários esportivos. O debate vem à tona todas as vezes que um atleta ou torcedor é ofendido no palco dos eventos ou nas redes sociais. No entanto, mesmo nos poucos momentos em que o tema ganha os holofotes, há um tipo de racismo que é naturalizado: o racismo recreativo.
“O humor racista é um tipo de discurso de ódio, é um tipo de mensagem que comunica desprezo, que comunica condescendência por minorias raciais”. Autor do livro “Racismo recreativo”, Adilson José Moreira explica que usar uma linguagem teoricamente amena é uma forma de propagar poder, mas sem que as pessoas brancas percam o ar de cordialidade.
No mundo dos esportes, são nos apelidos pejorativos que se escondem as ofensas que deixam marcas.
Ídolo do Wolfsburg, na Alemanha, do Santa Cruz, e com passagem marcante pelo São Paulo, o atacante Grafite carrega no nome a discriminação imposta aos negros e negras. Batizado como Edinaldo Batista Libânio, apelidado por Dina entre os parentes e amigos, ele teve que aceitar a alcunha de Grafite, dada pelo técnico Estevan Soares. A justificativa: Dina não colaria no futebol.
“Quando cheguei na Matonense, o treinador não sabia o nome de todo mundo e ele começou a me chamar de Grafite. Aí falou: ‘Negão, é você mesmo’. Aí eu disse que meu nome não era Grafite. Aí ele perguntou meu nome, eu disse que meu apelido era Dina. Aí ele disse que Dina não vingaria.”
A história de Grafite é uma entre milhares de exemplos.
Somália, Negrete, Fumaça… Nem mesmo Edson Arantes do Nascimento, conseguiu escapar da violência verbal dos companheiros. Apelidado como Gasolina no início da carreira, ele refutou a alcunha para ser chamado pelo nome mais famoso do futebol mundial: Pelé. Autora do livro “Pelé: uma estrela negra em campos verdes”, Angélica Basthi, revela que o maior atleta de todos os tempos teve que se impor até mesmo na seleção brasileira.
“Chamaram ele de Alemão e ele não gostou. É uma referência grotesca e racista. Quando se trata de um atleta negro, é sempre motivada pela cor da pele.”
O posicionamento de Pelé ainda segue sendo necessário, para que os atletas negros e negras possam ter o básico: direito à identidade. Foi assim com Lucas Santos, atualmente no Vasco, que se recusou a ser chamado de Robinho, atacante condenado por estupro, e Léo Pelé, do São Paulo, que pediu para ser chamado simplesmente pelo nome: Léo.
Sem tanto poder de fala, o atacante Apagão, cria das categorias de base do Santa Cruz e que atualmente defende o Centro Limoeirense, mostra o quão nocivas são as “brincadeiras”.
“Quando eu era criança, jogava muito na várzea e ganhei esse apelido. Não gostei, mas acabei que acostumei. Mas se pudesse escolher, eu preferiria que me chamassem de Juninho, que vem do meu nome. Não quero que meu filho passe pelo que eu passei.”
Pesquisador de questões raciais, o psicólogo Márcio Farias evidencia que não há como esquecer o processo de eugenia (embranquecimento da raça), que trouxe ao Brasil a ideia de supremacia racial, nos anos 30. Este fator fez com que a miscigenação forçada trouxesse para o humor, a chance de propagar esse pensamento.
“A nossa identidade é construída na miscigenação, mas nós permanecemos com desigualdade. Isso gera uma zona de tensão. E esse processo de tensão, muitas vezes, encontrou no humor, uma forma de propagar esse pensamento. Então, não importa se a ideia inicial é ofender, mas quando você fala algo nesse sentido, você está reproduzindo uma forma de poder.”
Acesse e leia nossos “Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol” 2014, 2015, 2016, 2017 , 2018 e 2019 com os casos de preconceito e discriminação no esporte brasileiro aqui
Fonte: GloboEsporte