Chamado de “picolé de asfalto”, juiz revela tristeza ao ver vídeo com ofensa racial: “Que ele reflita”
O árbitro Edimar da Silva Leite tomou conhecimento da ofensa racial sofrida durante o jogo Comercial-PI x Cori-Sabbá, pela Série B do Campeonato Piauiense, após receber de amigos o vídeo com a reportagem com o ato cometido por um homem não identificado nas arquibancadas do estádio Deusdeth de Melo, em Campo Maior. Uma pessoa chama Edimar de “picolé de macaco” e questiona a atuação do juiz ao gritar “quem quer ouvir conversa de preto”. Durante a partida, o quarteto de arbitragem não ouviu a manifestação racista. Ao saber do caso, Edimar confessou que ficou surpreso, pediu punição e revelou o sentimento de tristeza.
– É uma coisa triste, queria que não acontecesse, mas, infelizmente, a gente tem que ouvir esse tipo de coisa.
O vídeo do cinegrafista Gustavo Cavalcante, da TV Clube, mostra o flagra quando o árbitro é chamado de “picolé de asfalto”. Policiais militares presentes no estádio foram alertados sobre o fato, conversaram com o homem, porém não o prenderam.
– O fato ocorreu. Nós do quarteto (escalados para o jogo) não ouvimos, não tinha como ser relatado na súmula. Mas vamos fazer o BO, entrar com uma ação e resolver pelo direito da lei. Até me surpreendi quando vi a reportagem. Vários amigos mandaram a mensagem para ver o vídeo e tomar uma atitude. Entrei em contato com a comissão, e estão me dando todo o apoio – comentou o árbitro, de 40 anos, que fez seu primeiro jogo na Série B do Piauiense.
O caso aconteceu no primeiro tempo da partida, empatada em 1 a 1. Por volta dos 30 minutos, logo após a dividida de bola entre Manoel Neto e Emerson, do Cori-Sabbá. A não marcação de falta no choque entre os atletas irritou a pessoa ouvida na gravação, que cobrou do juiz a apresentação do cartão amarelo para o meia alvinegro.
– Eita, picolé de asfalto, dá o cartão amarelo aí, bait$%&.
– Cara quase quebra a perna do cara, via#$%.
– Ele é cheio de conversa, por$%&.
– A autoridade é o cartão, né conversa, não.
– Quem quer ouvir conversa de preto?
Em seguida, uma pessoa não mostrada pelas imagens aconselha:
– Avisa logo pro bonitão ai, oh.
– Avisa pra ele ai que isso é racismo, viu?
Poucos segundos após os insultos, policiais militares presentes no local abordaram a um homem, mas ninguém foi detido.
– Não levo mágoa, mas vou procurar os meios para resolver dentro da lei. Peço que ele reflita. Identificado ele vai ser. Com certeza, vamos nos encontrar. É uma coisa a se pensar até pelo bem dele. Com certeza deve ser um pai, deve ter filhos… E para a educação dele vai ser muito bom. – comentou Edimar.
– Temos palestras, treinamentos para nos comportamos em situações como essa. Imediatamente, temos que paralisar o jogo e identificar a pessoa. Não tinha torcida, deve ter sido algum dirigente ou convidado do time da casa ou visitante. No caso, seria detido – relatou o árbitro.
A partida aconteceu sem a presença da torcida por que os laudos do estádio Deusdeth de Melo não foram encaminhados à FFP no prazo previsto. No local, só poderiam estar as duas equipes, equipe de arbitragem, da federação, imprensa e sete representantes de cada equipe.
FFP: “Houve um crime”
A Federação de Futebol do Piauí (FFP) informou que vai encaminhar a denúncia ao Tribunal de Justiça Desportiva do Piauí e Ministério Público Estadual. Segundo o presidente Robert Brown, “pessoas que vão para os estádios para praticar manifestações racistas, têm que ser presas e banidas do futebol”. Em nota, a FFP declarou que “não ficará inerte diante deste ocorrido e lutará para que todas as medidas cabíveis sejam tomadas”.
A identificação imediata do homem que proferiu as ofensas é o primeiro passo para que todas as providências sejam tomadas. Segundo Brown, caso não seja possível identificar o autor, quem responderá pelos atos é o Comercial-PI, clube mandante da partida.
– Houve a infração, houve o crime. Se tivesse sido detectado na hora, o delegado teria que chamar a polícia e ele seria preso, mas infelizmente não foi detectado. Essas pessoas que vão para os estádios para praticar isso, têm que ser presas mesmo e banidas do futebol. O árbitro está fazendo um BO (Boletim de Ocorrência) porque ele também não viu esse ato contra ele – disse o presidente.
Em julho, a Federação de Futebol do Piauí iniciou uma campanha contra o racismo no futebol. Um Termo de Ajustamento de Conduta foi assinado antes do início da campanha intitulada “Racismo não se tolera, racismo se combate”, que passou a ser divulgada em partidas oficiais no estado.
Comercial-PI condena injúria racial
O presidente do Comercial-PI, Marcelo Paz, chamou a atitude de pessoa ainda não identificada de irresponsável e reforçou que clube está tomando providências. De acordo com o dirigente, logo que identificada, a pessoa será punida. Se tiver ligação com o clube, será exonerada do cargo.
– Atitude irresponsável. Algo que não poderia acontecer. Ainda não identificamos, mas se for alguém que faça parte da diretoria, está automaticamente exonerado do cargo. Não aceitamos nenhuma forma de preconceito. Estamos tentando resolver a situação junto da Federação de Futebol do Piauí – explicou o dirigente.
A partida aconteceu com os portões do estádio fechados, sem a venda de ingressos a torcedores. Sem laudos, a praça esportiva de Campo Maior não pôde receber a partida com a presença da torcida. A entrada de pessoas na praça esportiva foi restrita, com número mínimo delimitado aos clubes.
Comissão de Arbitragem: “Vamos combater de forma veemente”
Presidente da Comissão de Arbitragem do Piauí, José Steifel lamentou o episódio vivido por Edimar da Silva Leite, em Campo Maior, e garantiu que as imagens do fato serão anexadas à súmula do jogo entre Comercial-PI e Cori-Sabbá.
– A gente lamenta muito e inclusive fica triste por que tem gente, em pleno século XXI, com esse tipo de tratamento. A federação está em campanha contra o racismo e homofobia. Como os portões estavam fechados, nem era torcedor. Possivelmente é alguém da diretoria de algum dos clubes. Tem que ser apurado. Vamos combater de forma veemente. Na abertura em Teresina a abertura da campanha foi exatamente com esse tema. Vamos fazer um adendo à súmula usando o áudio das gravações para que o TJD-PI apure esse fato. Vou falar com o árbitro para fazermos um adendo.
Fla-PI foi punido no TJD-PI por R$ 1 mil após torcedor chamar jogador de macaco
Em março, o Flamengo-PI foi punido com multa de R$ 1 mil após um torcedor do clube ofender o zagueiro Allan, chamando-o de macaco. A situação foi descrita na súmula do jogo Flamengo-PI x Piauí, pelo Campeonato Piauiense, e o caso foi a julgamento no TJD-PI. O torcedor foi identificado. Por sugestão do relator do caso, Carlos Richard Oliveira, o torcedor também foi punido: não pode, por um período de 365 dias, entrar em qualquer praça esportiva do estado. A punição seguiu o Código Brasileiro de Justiça Desportiva.
Acesse e leia nossos “Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol” 2014, 2015, 2016, e 2017 com os casos de preconceito e discriminação no esporte brasileiro aqui
Fonte: GloboEsporte